sexta-feira, 6 de abril de 2012

AS MULHERES JUNTO DA CRUZ - A MÃE DE JESUS

Os quatro evangelistas falam-nos, cada um a seu modo, das mulheres junto da cruz. Assim refere Marcos: “E também estavam ali algumas mulheres, olhando de longe, entre elas, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, o Menor, e de Jose, e Salomé. Elas O seguiam e serviam enquanto esteve na Galiléia. E ainda muitas outras que subiram com Ele para Jerusalém” (15, 40-41). Embora os evangelistas nada nos digam de modo direto, todavia do simples fato de que a sua presença é mencionada podem-se perceber a consternação e o luto dessas mulheres pelo sucedido.

João, no fim da sua narração da crucifixão, cita uma palavra do profeta Zacarias: “Olharão para Aquele que traspassaram” (19, 37; cf. Zc 12, 10). No início do Apocalipse, essa palavra, que aqui ilustra a cena junto da cruz, João aplicá-la-á de maneira profética ao tempo final, ao momento do regresso do Senhor, quando todos olharão para Aquele que vem entre as nuvens o Trespassado e se lamentarão batendo no peito (cf. 1, 7).

As mulheres olham para o Traspassado. Podemos aqui trazer à mente também as outras palavras do profeta Zacarias: “Eles o lamentarão como se fosse a lamentação de um filho único; eles o chorarão como se chora sobre o primogênito” (12, 10). Enquanto até a morte de Jesus apenas zombaria e crueldade circundaram um epílogo conciliador que conduz à deposição no túmulo e à ressurreição. Estão presentes as mulheres que se mantiveram fiéis a sua compaixão e o seu amor voltam-se para o Redentor morto.

Por isso, podemos tranquilamente acrescentar também a conclusão do texto de Zacarias: “Naquele dia, haverá para a Casa de Davi e para os habitantes de Jerusalém uma fonte aberta para lavar o pecado e a mancha” (13, 1). Olhar para o Traspassado e lamentá-Lo tornam-se já por si mesmos uma fonte de purificação. Tem início a força transformadora da paixão de Jesus.

João não se limita a narrar-nos que, ao pé da cruz de Jesus, estavam mulheres ― “sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena” (19, 25) ―, mas continua: “Jesus, então, vendo sua Mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava, disse à Sua Mãe: ‘Mulher, eis o teu filho’. Depois, disse ao discípulo: ‘Eis a tua Mãe’. E, a partir dessa hora, o discípulo A recebeu em sua casa” (19, 26-27). Trata-se de uma última vontade de Jesus, quase uma to de adoção. Ele é o único filho de sua Mãe, que, depois da sua morte, ficaria sozinha no mundo. Agora, ao seu lado, coloca o discípulo amado: torna-se, por assim dizer filho d’Ela em seu lugar e, a partir daquele momento, este é responsável por Ela, acolhe-A consigo. A tradução literal é ainda mais forte; poder-se-ia transcrevê-la mais ou menos assim: ele A acolheu naquilo que lhe era o mais próprio, acolheu-A no seu íntimo contexto de vida. Trata-se, pois, primariamente de um gesto muito humano do Redentor que está para morrer. Não deixa a Mãe sozinha, mas confia-A à solicitude do discípulo que Lhe era muito querido. E assim também ao discípulo é dado um novo lar: a Mãe que cuida dele, e com a qual se preocupa.

Se João comunica fatos humanos desse gênero, quer certamente recordar coisas sucedidas. Todavia o que lhe interessa é sempre algo mais que simples fatos do passado. O acontecimento aponta para além de si mesmo, para aquilo que permanece. Por conseguinte, que pretende dizer-nos com isso?

Uma primeira abordagem no-la dá o apelativo usado para a Mãe: “Mulher”. Trata-se do mesmo apelativo que Jesus usara nas bodas de Caná (cf. Jo 2, 4). Assim, as duas cenas estão relacionadas uma com a outra. Caná fora uma antecipação das bodas definitivas, do vinho novo que o Senhor queria dar. Só agora se torna realidade aquilo que então tinha sido apenas um sinal que aponta para o futuro.

Ao mesmo temo, o apelativo “mulher” remete para a narração da criação, quando o Criador apresenta a mulher a Adão. Este reage a essa nova criatura, dizendo: “Esta, sim, é osso de meus ossos, e carne de minha carne. Ela será chamada ‘mulher’...” (Gn 2, 23). Nas suas cartas, São Paulo apresentou Jesus como o novo Adão, com o qual recomeça de uma forma nova a humanidade. João diz-nos que, ao novo Adão, pertence novamente “a mulher”, que nos apresenta em Maria. No Evangelho, isto permanece uma alusão discreta, que depois pouco a pouco se haveria de desenvolver na fé da Igreja.

O Apocalipse fala do sinal grandioso da mulher que aparece no céu, nele englobando todo o Israel, aliás, a Igreja inteira. Continuamente, a Igreja deve, entre dores, gerar Cristo (cf. 12, 1-6). Outro passo na maturação do mesmo pensamento encontramo-lo na Carta aos Efésios, que aplica a Cristo e à Igreja a imagem do homem que deixa o pai e a mãe e se torna uma só carne com a esposa (cf. 5, 31-32). Com base no modelo da “personalidade corporativa”, a Igreja antiga ― segundo o modo de pensar da Bíblia ― não teve qualquer dificuldade, por um lado, em reconhecer na mulher, de modo totalmente pessoal, Maria, e, por outro, em ver n’Ela, abraçando todos os tempos, a Igreja esposa e mãe, na qual se expande na história o mistério de Maria.

E como Maria, a mulher, também o discípulo predileto é, simultaneamente, uma figura concreta e um modelo do discipulado que existirá sempre e sempre deve existir. Ao discípulo, que é verdadeiramente na comunhão de amor com o Senhor, é confiada a mulher: Maria, a Igreja.

A palavra de Jesus na cruz permanece aberta a muitas realizações concretas. Sempre de novo é dirigida quer à Mãe quer ao discípulo, e a cada um é confiada a tarefa de realizá-la na própria vida, tal como está previsto no plano do Senhor. Sempre de novo é pedido ao discípulo que acolha, no mais próprio da sua vida, Maria como pessoa e como Igreja, e, desse modo, dê cumprimento à última vontade de Jesus.

(Bento XVI - Jesus de Nazaré)

Nenhum comentário:

Postar um comentário