sábado, 7 de abril de 2012

TOTUS TUUS MARIA

Consagramo-nos a Jesus Cristo pelas mãos de Maria, no dia 25 de março deste ano, um momento sublime porque agora temos uma Senhora que nos formará para que sigamos os passos do Filho muito Amado, nosso Sacratíssimo Jesus.

Agradecemos imensamente ao Padre Edson, por ter celebrado esta consagração conosco, por suas palavras diretivas que muito nos edificaram: "...devemos amar e venerar Maria sim, pois  o próprio Deus a escolheu, chamou-a de "Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo", além disso vemos que São Paulo coloca-nos em Romanos em 2, 10: "...glória, honra e paz a todo o que faz o bem, primeiro ao judeu e depois ao grego." Nossa Senhora, irmãos, era judia e foi a primeira a fazer o bem ao aceitar os planos de Deus.

Portanto, oh! Mãe Admirável, apresentai-nos ao Vosso amado Filho na condição de escravos perpétuos, a fim de que, tendo-nos resgatados por vós, por vós também nos receba propiciamente.










sexta-feira, 6 de abril de 2012

O MISTÉRIO DO TRAIDOR

O trecho do lava-pés coloca-nos perante duas formas diversas de reação do homem a esse dom: Judas e Pedro. Imediatamente depois de ter acenado ao exemplo, Jesus começa a falar do caso de Judas. A esse propósito, João refere-nos que Jesus Se sentiu profundamente turvado e declarou: "Em verdade, em verdade vos digo: um de vós Me entregará" (13, 21)

Três vezes fala João da "perturbação", ou seja, da "comoção" de Jesus: junto do sepulcro de Lázaro (cf. 11, 33-38); no Domingo de Ramos, depois da palavra sobre o grão de trigo que morre, numa cena que lembra de perto a hora do monte das oliveiras (cf. 12, 24-27); e, por último, aqui. São momentos em que Jesus Se encontra com a majestade da morte e é tocado pelo poder das trevas; poder esse que é sua tarefa combater e vencer.

O anúncio da traição suscita compreensivelmente agitação e ao mesmo tempo curiosidade entre os discípulos. "Estava à mesa, ao lado de Jesus, um de Seus discípulos, aquele que Jesus amava. Simão Pedro faz-lhe então, um sinal e diz-lhe: 'Pergunta-Lhe quem é aquele de quem fala'. Ele, então, inclinando-se sobre o peito de Jesus, diz-lhe: 'Quem é, Senhor?'. Responde Jesus: É aquele a quem Eu der o pão que vou umedecer no molho" (13, 23-26)

Para a compreensão desse texto, é preciso, antes de qualquer coisa, ter em conta o fato de estar prescrito, para a ceia pascal, que se estivesse reclinado à mesa. Charles K. Barret explica assim o primeiro versículo agora citado: "Os participantes numa ceia estavam reclinados sobre a sua esquerda; o braço esquerdo servia para sustentar o corpo; o direito ficava livre para ser usado. Desse modo, o discípulo à direita de Jesus tinha a cabeça imediatamente diante de Jesus e, por conseguinte, podia-se dizer que estava reclinado junto do seu peito. Obviamente podia falar confidencialmente com Jesus, mas o seu lugar não era o de maior honra; este se situava à esquerda do chefe da casa. Seja como for, o lugar ocupado pelo discípulo amado era o lugar de um amigo intímo".

Tal como aparece transcrita aqui, a resposta de Jesus é totalmente clara. E, todavia, o evangelista anota que os discípulos não compreenderam a quem Ele Se referia. Por isso podemos supor que João, repensando no caso, tenha conferido à resposta uma evidência que então não tivera para os presentes. O versículo 18 coloca-nos na pista justa; aqui Jesus diz: "Mas é preciso que se cumpra a Escritura: 'Aquele que come o meu pão levantou contra Mim o seu calcanhar'" (cf. Sl 41, 10; Sl 55, 14). Este é o estilo característico de Jesus falar: com palavras da Escritura, alude ao seu destino, inserindo-se ao mesmo tempo na lógica de Deus, na lógica da história da salvação.

Mais tarde, essas palavras tornam-se completamente claras; fica claro que a Escritura descreve verdadeiramente o seu caminho, mas naquela hora permanece o enigma. Ao princípio, apenas se deduz que aquele que há de atraiçoar Jesus é um dos convivas; torna-se evidente que o Senhor tem de sofrer até o fim e, mesmo nos detalhes, o destino de sofrimento do justo, um destino que se manifesta de variados modos, sobretudo nos Salmos. Jesus tem de experimentar a incompreensão, a infidelidade até no âmbito do círculo mais íntimo dos amigos e assim "cumprir a Escritura". Ele revela-Se como o verdadeiro sujeito dos Salmos, como o Davi de quem provêm e por meio de quem adquirem sentido.

Quando João escolheu, em lugar do termo habitualmente usado na Bíblia grega para dizer "comer", a palavra trõgein usada por Jesus, no seu grande discurso sobre o pão, para indicar o "comer" o seu Corpo e Sangue, isto é, receber o sacramento eucarístico (cf. Jo 6, 54-58), acrescentou uma nova dimensão à palavra do Salmo retomada por Jesus como profecia sobre o seu próprio caminho. Assim, a palavra do Salmo lança, de antemão, a sua sombra sobre a Igreja que celebra a Eucaristia no tempo do evangelista como em todos os tempos: com a traição de Judas, não terminou o sofrimento pela deslealdade. "Até o amigo íntimo em quem eu confiava, que partilhava do meu pão, até esse se levantou contra mim" (Sl 41, 10). A ruptura da amizade chega até mesmo à comunidade sacramental da Igreja, onde sempre de novo há pessoas que partilham "o Seu pão" e O atraiçoam.

João não nos oferece qualquer interpretação psicológica do comportamento de Judas; o único ponto de referimento que nos dá é a alusão ao fato de que Judas, como tesoureiro do grupo dos discípulos, teria roubado o seu dinheiro (cf. 12, 6). No contexto que nos interessa, o evangelista limita-se laconicamente a dizer: "Depois do pão, entrou nele Satanás" (13, 27)

Para João, aquilo que aconteceu a Judas já não é explicável psicologicamente. Acabou sob o domínio de outrem: quem rompe a amizade com Jesus, quem se recusa a carregar o seu "jugo suave", não chega a liberdade, não se torna livre, pelo contrário, torna-se escravo de outras potências; ou mesmo: o fato de atraiçoar essa amizade já deriva da intervenção de outro poder, ao qual se abriu.

Entretanto, a luz, vinda de Jesus, que caíra na alma de Judas, não se tinha apagado totalmente. Há um primeiro passo rumo à conversão: "Pequei" - diz ele aos seus mandantes. Procura salvar Jesus, devolvendo o dinheiro. Tudo o que de grande e puro recebera de Jesus permanecia gravado na sua alma; não podia esquecê-lo.

A segunda tragédia dele, depois daquela da traição, é já não conseguir acreditar num perdão. O seu arrependimento torna-se desespero. Agora só se vê a si mesmo e às suas trevas, já não vê a luz de Jesus - aquela luz que pode iluminar e vencer as próprias trevas. Desse modo faz-nos ver a forma errada do arrependimento que já não consegue esperar, mas agora só vê a própria escuridão, é destrutivo, não é um verdadeiro arrependimento a certeza da esperança - uma certeza que nasce da fé no poder maior da Luz que Se fez carne em Jesus.

João conclui dramaticamente o trecho sobre Judas com estas palavras: "Tomando, então, o pedaço de pão, Judas saiu imediatamente. Era noite" (13, 30). Judas vai para fora, num sentido mais profundo: entra na noite; vai-se embora da luz para a escuridão. O "poder das trevas" agarrou-o. (cf. Jo 3, 19; Lc 22, 53).

Bento XVI - Jesus de Nazaré, p. 70 a 72

AS MULHERES JUNTO DA CRUZ - A MÃE DE JESUS

Os quatro evangelistas falam-nos, cada um a seu modo, das mulheres junto da cruz. Assim refere Marcos: “E também estavam ali algumas mulheres, olhando de longe, entre elas, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, o Menor, e de Jose, e Salomé. Elas O seguiam e serviam enquanto esteve na Galiléia. E ainda muitas outras que subiram com Ele para Jerusalém” (15, 40-41). Embora os evangelistas nada nos digam de modo direto, todavia do simples fato de que a sua presença é mencionada podem-se perceber a consternação e o luto dessas mulheres pelo sucedido.

João, no fim da sua narração da crucifixão, cita uma palavra do profeta Zacarias: “Olharão para Aquele que traspassaram” (19, 37; cf. Zc 12, 10). No início do Apocalipse, essa palavra, que aqui ilustra a cena junto da cruz, João aplicá-la-á de maneira profética ao tempo final, ao momento do regresso do Senhor, quando todos olharão para Aquele que vem entre as nuvens o Trespassado e se lamentarão batendo no peito (cf. 1, 7).

As mulheres olham para o Traspassado. Podemos aqui trazer à mente também as outras palavras do profeta Zacarias: “Eles o lamentarão como se fosse a lamentação de um filho único; eles o chorarão como se chora sobre o primogênito” (12, 10). Enquanto até a morte de Jesus apenas zombaria e crueldade circundaram um epílogo conciliador que conduz à deposição no túmulo e à ressurreição. Estão presentes as mulheres que se mantiveram fiéis a sua compaixão e o seu amor voltam-se para o Redentor morto.

Por isso, podemos tranquilamente acrescentar também a conclusão do texto de Zacarias: “Naquele dia, haverá para a Casa de Davi e para os habitantes de Jerusalém uma fonte aberta para lavar o pecado e a mancha” (13, 1). Olhar para o Traspassado e lamentá-Lo tornam-se já por si mesmos uma fonte de purificação. Tem início a força transformadora da paixão de Jesus.

João não se limita a narrar-nos que, ao pé da cruz de Jesus, estavam mulheres ― “sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena” (19, 25) ―, mas continua: “Jesus, então, vendo sua Mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava, disse à Sua Mãe: ‘Mulher, eis o teu filho’. Depois, disse ao discípulo: ‘Eis a tua Mãe’. E, a partir dessa hora, o discípulo A recebeu em sua casa” (19, 26-27). Trata-se de uma última vontade de Jesus, quase uma to de adoção. Ele é o único filho de sua Mãe, que, depois da sua morte, ficaria sozinha no mundo. Agora, ao seu lado, coloca o discípulo amado: torna-se, por assim dizer filho d’Ela em seu lugar e, a partir daquele momento, este é responsável por Ela, acolhe-A consigo. A tradução literal é ainda mais forte; poder-se-ia transcrevê-la mais ou menos assim: ele A acolheu naquilo que lhe era o mais próprio, acolheu-A no seu íntimo contexto de vida. Trata-se, pois, primariamente de um gesto muito humano do Redentor que está para morrer. Não deixa a Mãe sozinha, mas confia-A à solicitude do discípulo que Lhe era muito querido. E assim também ao discípulo é dado um novo lar: a Mãe que cuida dele, e com a qual se preocupa.

Se João comunica fatos humanos desse gênero, quer certamente recordar coisas sucedidas. Todavia o que lhe interessa é sempre algo mais que simples fatos do passado. O acontecimento aponta para além de si mesmo, para aquilo que permanece. Por conseguinte, que pretende dizer-nos com isso?

Uma primeira abordagem no-la dá o apelativo usado para a Mãe: “Mulher”. Trata-se do mesmo apelativo que Jesus usara nas bodas de Caná (cf. Jo 2, 4). Assim, as duas cenas estão relacionadas uma com a outra. Caná fora uma antecipação das bodas definitivas, do vinho novo que o Senhor queria dar. Só agora se torna realidade aquilo que então tinha sido apenas um sinal que aponta para o futuro.

Ao mesmo temo, o apelativo “mulher” remete para a narração da criação, quando o Criador apresenta a mulher a Adão. Este reage a essa nova criatura, dizendo: “Esta, sim, é osso de meus ossos, e carne de minha carne. Ela será chamada ‘mulher’...” (Gn 2, 23). Nas suas cartas, São Paulo apresentou Jesus como o novo Adão, com o qual recomeça de uma forma nova a humanidade. João diz-nos que, ao novo Adão, pertence novamente “a mulher”, que nos apresenta em Maria. No Evangelho, isto permanece uma alusão discreta, que depois pouco a pouco se haveria de desenvolver na fé da Igreja.

O Apocalipse fala do sinal grandioso da mulher que aparece no céu, nele englobando todo o Israel, aliás, a Igreja inteira. Continuamente, a Igreja deve, entre dores, gerar Cristo (cf. 12, 1-6). Outro passo na maturação do mesmo pensamento encontramo-lo na Carta aos Efésios, que aplica a Cristo e à Igreja a imagem do homem que deixa o pai e a mãe e se torna uma só carne com a esposa (cf. 5, 31-32). Com base no modelo da “personalidade corporativa”, a Igreja antiga ― segundo o modo de pensar da Bíblia ― não teve qualquer dificuldade, por um lado, em reconhecer na mulher, de modo totalmente pessoal, Maria, e, por outro, em ver n’Ela, abraçando todos os tempos, a Igreja esposa e mãe, na qual se expande na história o mistério de Maria.

E como Maria, a mulher, também o discípulo predileto é, simultaneamente, uma figura concreta e um modelo do discipulado que existirá sempre e sempre deve existir. Ao discípulo, que é verdadeiramente na comunhão de amor com o Senhor, é confiada a mulher: Maria, a Igreja.

A palavra de Jesus na cruz permanece aberta a muitas realizações concretas. Sempre de novo é dirigida quer à Mãe quer ao discípulo, e a cada um é confiada a tarefa de realizá-la na própria vida, tal como está previsto no plano do Senhor. Sempre de novo é pedido ao discípulo que acolha, no mais próprio da sua vida, Maria como pessoa e como Igreja, e, desse modo, dê cumprimento à última vontade de Jesus.

(Bento XVI - Jesus de Nazaré)

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O LAVA-PÉS POR BENTO XVI

Na descrição da última noite de Jesus com os seus discípulos antes da Paixão, põe em destaque dois fatos muito particulares: em primeiro lugar, narra-nos como Jesus prestara aos seus discípulos o serviço de escravo no lava-pés; nesse contexto, refere também o anúncio da traição de Judas e a negação de Pedro. O segundo aspecto que atingem o seu apogeu na Oração Sacerdotal.

"Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os Seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim" (13, 1). Com a Última Ceia, chegou a "hora" de Jesus, para a qual se orientava a sua atividade desde o princípio (cf. 2, 4). O essencial dessa hora é delineado por João com duas palavras fundamentais: é a hora da "passagem" (metabaínein - metábasis); é a hora do amor (ágape) "até o fim".

No texto do lava-pés, a palavra "puro" aparece três vezes. Com esse termo, João retoma um conceito fundamental da tradição do Antigo Testamento, bem como do mundo das religiões em geral. Para poder comparecer diante de Deus, entrar em comunhão com Deus, o homem deve ser "puro". Mas, quanto mais entra na luz, tanto mais sujo e necessitado de purificação se sente. Por isso, as religiões criaram sistemas de "purificação" com a finalidade de dar ao homem a possibilidade do acesso a Deus.

E imediatamente surge a pergunta: Como se torna puro o coração? Quem são os homens de coração puro, que podem ver a Deus (cf. Mt 5, 8)? A exegese liberal disse que Jesus teria substituído a concepção ritual da pureza pela moral: no lugar do culto e do seu mundo, entraria a moral. Então o cristianismo seria essencialmente uma moral, uma espécie de "rearmamento" ético. Mas desse modo não se faz justiça à novidade do Novo Testamento.

A verdadeira novidade divisa-se quando, nos Atos dos Apóstolos, Pedro toma posição em face da objeção de fariseus convertidos à fé em Cristo, que pedem que os cristãos vindos do paganismo sejam circuncidados e lhes seja ordenado que "observem a lei de Moisés". A isso replica Pedro: "O próprio Deus tomou a decisão de fazer com que "os gentios ouvissem da minha boca a palavra da Boa Nova e abraçassem a fé (...); não fez distinção alguma entre nós e eles, purificando seus corações pela fé" (15, 5-11). A fé purifica o coração. A fé deriva do fato de Deus Se voltar para o homem. Não se trata simplesmente de uma decisão autônoma dos homens. A fé nasce porque as pessoas são tocadas interiormente pelo Espírito de Deus, que lhes abre o coração e o purifica.

No capítulo 13 do Evangelho, o lava-pés realizado por Jesus apresenta-se como o caminho de purificação. Uma vez mais se exprime a mesma coisa, e novamente de um ângulo diferente. o lavacro que nos purifica é o amor de Jesus: o amor que se empenha até a morte. A palavra de Jesus não é simplesmente palavra, mas Ele próprio. E a sua palavra é a verdade e o amor.

(Fragmentos do livro - Jesus de Nazaré - Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição)

terça-feira, 3 de abril de 2012

QUARESMA - UM TEMPO DE ENCONTRO


Chegando aos últimos dias da Quaresma somos convidados a parar um pouco e pensar o que foi, o que significou mais esse tempo em nossas vidas. É comum pensarmos neste momento litúrgico como uma oportunidade de fazer memória de nossas atitudes, assumir novos compromissos e, quiçá, viver uma verdadeira conversão.

Por isso mesmo, entendo que a Quaresma não deve se limitar a um período de 40 dias tão importante em nossa vida espiritual. Ela deve perpassar a nossa vida em uma contínua busca por nos encontrarmos com o Senhor. Sim, um encontro, eis a melhor descrição do tempo quaresmal. É tempo propício para nos encontrarmos com a verdade do nosso ser e com o sentido de nosso viver. É momento de compreendermos que a vida tem um sentido e que esse está para além de nós mesmos, o que possibilita que ele nos dê uma direção.

Para entendermos, voltemos ao texto bíblico lá do início da Quaresma. O Evangelista Mateus nos narra que “... Jesus foi levado pelo Espírito para o deserto, para ser tentado pelo diabo. Por quarenta dias e quarenta noites esteve jejuando. Depois teve fome.” (Mt 4,1-2). Já seria de se interrogar essa afirmativa: “foi levado pelo Espírito (…) para ser tentado”. À primeira vista, um contrassenso: o Espírito conduzindo o Senhor para ser tentado. Mas olhemos com um olhar mais atento. O profeta Oséias apresenta o deserto como um lugar de encontro profundo, um espaço onde nos extremos e adversidades Deus se faz presente para falar na intimidade com os seus (Os 2,16). Como afirma o autor sagrado: “Foi num deserto que o Senhor achou seu povo, num lugar de solidão desoladora; cercou-o de cuidados e carinhos, e o guardou como a pupila de seus olhos”(Dt 32,10). Compreendemos assim porque conduziu o Espírito ao Senhor para dentro de um deserto. O motivo é o mesmo que leva o Amado Senhor a nos fazer esse convite de encontro.

Quaresma é tempo de, olhando nas profundezas do nosso ser, encontrarmos um sentido que seja verdadeiro e que, por isso mesmo, supere as tentações de ter, prazer e poder. É espaço, não do tempo cronológico com o qual nos acostumamos, mas, sim, de um kayrós ou tempo da graça, tempo de Deus que supera os limites do controlável e adentra nas raízes profundas de nossas vidas. Quaresma é encontro com aquilo que não passa e que nos remete ao eterno, ao pleno. É uma experiência de se desmascarar perante aquele que nos conhece inteiramente. É adentrar em uma metanoia, em uma conversão que represente não apenas atos externos, mas, sim, uma transformação nas atitudes, na essência do nosso fazer. Isto significa que não é apenas um momento em que tomamos certas posições que com o tempo se esquece. Quaresma implica uma radical adesão a Cristo assumindo-O como verdadeiro Senhor.

Talvez por isso temos os 40 dias, esse tempo propício para tomarmos a grande decisão de sair de um tempo de escuridão, para, encontrando com o Senhor dos senhores, começarmos a vida nova. Aquela conquistada para nós pelo Cordeiro de Deus, o Bom Pastor ( Jo 10,10).

Pensando desta forma, entendemos porque a Igreja nos convida com tanto zelo a vivermos esse tempo. Entendemos porque tantos santos e santas faziam de suas vidas uma contínua Quaresma. E compreendemos também porque viver a cada ano novamente essa experiência. E como não há um único tempo para mergulharmos nessa busca por este grande encontro, aproveitemos esses últimos dias desta Quaresma para, retomando as nossas propostas e desejos de vida nova, iniciarmos a grande festa de uma vida quaresmal. Isto é, uma vida de contínua conversão e de encontro pessoal e profundo com o nosso Amado.

(Arley Humberto - Comunidade Filhos de Maria)