sexta-feira, 6 de julho de 2012

O SENTIMENTO QUE SURPREENDE



Publicado em 01/07/2012 por Padre Gledson Eduardo de Miranda Assis

Não podemos deixar de nos surpreender com a misericórdia. Ela é, ao mesmo tempo, humilde e poderosa. Sua linguagem é extraordinária, porque fala da gratuidade absoluta. Uma linguagem difícil de interpretar com estereótipos humanos, ainda que a etimologia da palavra remeta a duas realidades muito presentes em nossa condição humana: miséria e coração. Só mesmo a certeza de um amor misericordioso, que vem de Deus e nos é apresentado, sobretudo pela Sua Palavra e pelos Sacramentos - que não decepcionam e que vão além de qualquer expectativa - é que nos permite confiar nessa realidade celestial e abandonarmo-nos a ela.

A misericórdia não é uma mercadoria ou um meio de troca, nem é mensurável. Não tem limites nem preço. Não há com que pagá-la. Ela é gratuita e seu verdadeiro sentido se dá quando feita de forma despretensiosa. Seu prêmio é a própria misericórdia enquanto bem-aventurança do ser e do amar, numa harmonia interior que envolve a plenitude do corpo e da alma, num sentimento que se traduz na capacidade de se fazer acolhida, dom e partilha.

No dilema existente entre razão e emoção, a humanidade deve sempre perceber que não há oposição entre ambas, mas sim uma relação de complementaridade e até mesmo de reciprocidade que as envolve. Noutras palavras, a humanidade deve sempre estar em busca de um “meio termo”. É isso que decidirá sobre o futuro da humanidade, e não poderá começar da exterioridade, mas sim da interioridade do espírito humano. Quem ama com amor misericordioso sabe que tal experiência lhe é concedida porque antes ele próprio havia sido amado desse modo. Somente tendo antes em nós mesmos uma autêntica atitude de misericórdia poderemos tornar-nos fontes de misericórdia para o mundo. Em síntese, o único modo de ter misericórdia é ser misericórdia.

No relacionamento com o mundo, a misericórdia nos faz enxergar a realidade “a partir de baixo”, traduzindo-se no olhar atento e no coração sensível para com aqueles que se encontram à margem da sociedade, ou que simplesmente “não contam”. A pessoa dotada de compaixão-misericórdia não fica numa posição de neutralidade, mas procura engajar-se efetivamente na busca de uma ordem social mais justa e fraterna. Só se conhece melhor o que é o Reino de Deus quando se procura construí-lo. Reagir com misericórdia significa trabalhar pela justiça, colocando ao seu serviço todas as nossas capacidades humanas, intelectuais, afetivas, religiosas, científicas e tecnológicas.

Destarte, a misericórdia torna-se uma atitude fundamental que não está só no início do processo humano, mas que configura todo o processo posterior de humanização, enquanto princípio fundante. A misericórdia não perdoa porque esquece, mas esquece porque realmente consegue perdoar. Só se conhece melhor o que é o pecado quando se procura erradicá-lo. Por isso podemos dizer que nunca haverá libertação sem a dimensão de perdão e de misericórdia que o coração simboliza. Todos somos chamados, portanto, a frequentar a “escola da misericórdia”, enriquecendo-nos reciprocamente com os dons que trazemos conosco, e empenhando-nos a construir juntos uma autêntica “civilização compassivo-misericordiosa”.

Com tudo isso podemos realmente afirmar que a compaixão-misericórdia, enquanto fruto do amor, constitui o coração da espiritualidade cristã, que deve ser iminentemente humanizadora e humanizante. É a vivência dessa compaixão-misericórdia que humaniza a pessoa em profundidade. E parafraseando 1 Cor 13, podemos dizer que a misericórdia nunca acabará, porque tem o mesmo carisma do amor/caridade. Tudo o que somos, todo o amor que vivemos e toda a compaixão que manifestamos em resposta ao Deus de Misericórdia permanecerá para sempre, como um dom que doamos porque também nos foi doado, e que o Pai nos dará novamente de maneira infinita e transfigurada na plenitude da vida.
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Padre Gledson Eduardo de Miranda Assis

Padre Gledson Eduardo de Miranda Assis

É sacerdote da Arquidiocese de Montes Claros ordenado ao lado dos colegas Antônio Teixeira e Édson José dos Santos no dia 12 de dezembro de 2009, na igreja matriz da Paróquia Nossa Senhora Rosa Mística de Montes Claros, e sob a imposição das mãos do arcebispo metropolitano dom José Alberto Moura. Sua Ordenação Diaconal aconteceu em 31 de julho de 2009, também presidida por dom José Alberto Moura, só que na igreja matriz da Paróquia Nossa Senhora de Fátima de MOC. Gledson é formado em Filosofia pela Faculdade Arquidiocesana de Mariana (FAM) e em Teologia pelo Seminário Maior Imaculado Coração de Maria de MOC. Como seminarista, fez trabalho pastoral na Paróquia São Sebastião de Taiobeiras e na Paróquia Santos Reis de MOC. Foi vigário da Paróquia São Sebastião de MOC e agora está na Paróquia Nossa Senhora da Consolação de MOC. É o atual coordenador arquidiocesano do Setor Juventude. Nasceu em 28 de dezembro de 1980 em Cipotânea, Minas Gerais. É colaborador do jornal "Clarão do Norte" desde agosto de 2008. Seu e-mail é gledsoneduardo@yahoo.com.br.  

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